Dados do município de São Paulo

Em São Paulo, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), há 5 estabelecimentos cadastrados como Serviços de Referência em Interrupção de Gravidez de Casos Previstos em Lei - embora, segundo a Lei do Minuto Seguinte (Lei 12.845/2013), todo hospital seja obrigado a oferecer assistência integral aos casos de violência sexual, inclusive o procedimento de  interrupção legal da gestação. 

A seguir, você pode ver quais serviços na cidade de São Paulo têm realizado esse procedimento, e, ainda, quantos procedimentos foram realizados por cada um desses serviços entre os anos de 2019 e 2022, subdivididos por tipo de procedimento, faixa etária e raça/cor.

Números de abortos legais por mês e ano
na cidade de São Paulo, 2019 - 2022

Fonte: SIH, 2022

No gráfico acima, é possível observar que, conforme os dados coletados no DATASUS através do CID O04.9 (aborto por razões médicas e legais),  entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, foram registrados 1.538 abortamentos legais no Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do Município de São Paulo, resultando em uma  média de 384,5 abortos legais ao ano. O ano de 2022 registrou o maior número de abortos no período analisado, com 411 procedimentos (26,7%). 

Aborto legal por faixa etária

No Município de São Paulo, que registra 78% dos abortamentos legais do Estado, o Mapa constatou um total de 1.538 abortos legais ocorridos entre 2019 e 2022, sendo que quase metade, 757 (49,2%), ocorreram em mulheres com idade entre 20 e 29 anos e apenas 33 (2,1%) foram realizados em meninas com idade entre 10 e 14 anos. Por ano, portanto, tem-se a média de 8,25 abortos legais dentro desta faixa etária.

Abortos legais por faixa etária na
cidade de São Paulo, 2019 - 2022

Fonte: SIH, 2022

Abortos legais por raça/cor na
cidade de São Paulo, 2019 - 2022

Fonte: SIH, 2022

Aborto legal por raça/cor

Conforme mostra o gráfico ao lado, em 31% dos abortos legais realizados entre 2019 e 2022, a informação sobre raça/cor nao foi preenchida. Mulheres e outras pessoas que gestam representam 43% dos procedimentos realizados. Mulheres pretas e pardas representam 25%.

Procedimentos
por raça/cor

Identificamos o uso mais frequente do método de curetagem pós abortamento/puerperal em mulheres pretas e pardas em relação às mulheres brancas e amarelas: dos abortos realizados em mulheres negras, 30% foi realizado por meio de curetagem, enquanto em mulheres brancas esse procedimento ocorreu em 18% dos abortos.

Abortos legais por raça/cor na
cidade de São Paulo, 2019 - 2022

Fonte: SIH, 2022

Procedimentos
por raça/cor

Identificamos o uso mais frequente do método de curetagem pós abortamento/puerperal em mulheres pretas e pardas em relação às mulheres brancas e amarelas: dos abortos realizados em mulheres negras, 30% foi realizado por meio de curetagem, enquanto em mulheres brancas esse procedimento ocorreu em 18% dos abortos.

Métodos utilizados no aborto por faixa etária
na cidade de São Paulo, 2019 - 2022

Fonte: SIH, 2022

Procedimentos
por faixa etária

Os dados apontam que o tipo de procedimentos utilizado também varia segundo a faixa etária. A curetagem pós-abortamento/puerperal ocorreu mais em mulheres na faixa etária de 40 a 49 (31,4%) e 15 a 19 anos (28,4%).

Número de abortos legais por Subprefeitura

Esse mapa mostra a distribuição dos serviços que realizam aborto legal no Município de São Paulo por subprefeitura. As subprefeituras que estão sem o nome no Mapa não constam nos dados oferecendo atendimentos em aborto legal entre 2019 e 2022.

Ao clicar em cima do serviço destacado no mapa, você pode observar a quantidade de procedimentos realizados neste período de tempo, separados por:

  • Número absoluto de procedimentos;
  • Raça/cor em relação ao tipo de procedimento; e
  • Faixa etária em relação ao tipo de procedimento

Este mapa mostra, portanto, o quanto o acesso ao serviços de aborto legal é desigual na cidade de São Paulo, principalmente se consideradas as dimensões geográficas da cidade e o deslocamento que será necessário na busca por um serviço que realize o aborto legal.

Para pensarmos um exemplo: De Parelheiros até a Sé temos uma distância de aproximadamente 34km e, em transporte público, o tempo de deslocamento pode demorar de 2 a 3 horas, além do alto custo das passagens.

Se para acessar o procedimento, uma mulher ou pessoa com capacidade de gestar tiver que ir ao serviço 2 ou 3 vezes, qual é a real possibilidade de que essa pessoa acesse o serviço de aborto legal? Esse direito é igual para todas e todes?

Como podemos interpretar esses dados?

Faixa etária

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o Estado de São Paulo registrou, em 2023, recorde no número de estupros desde 2001, com o total de 14.504 casos - um aumento de 9,5% em relação às ocorrências de 2022. Desse total, 11.133 foram classificados como estupro de vulnerável, praticados contra pessoas com menos de  14 anos.

Considerando que o percentual de gestações decorrentes de estupros em crianças com menos de 14 anos é de 15% (IPEA), seria possível estimar que, no Estado de São Paulo, haveria em torno de 1.700 gestações em meninas com menos de 14 anos por ano. 

O fato de termos, no Município de São Paulo, menos de 10 interrupções por ano na faixa etária de 10-14 anos evidencia, em comparação com o número de gestações estimado, um descompasso importante no acesso efetivo ao direito previsto em lei. 

Raça/cor 

Uma análise comparativa dos resultados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) em 2011, 2016  e 2021 concluiu que as mulheres negras e pardas têm 46% mais chance realizar um aborto do que as mulheres brancas (GOES, E, DINIZ, D & MEDEIROS, 2023) e estão dentro do grupo com maior chance de morte por abortos inseguros (CARDOSO & SARACENI, 2020). 

Outra análise de 2023 observou atrasos na assistência ao aborto por meio da avaliação de dezenove maternidades em três capitais do Nordeste. Como resultado, concluiu-se que, das mulheres que tiveram que esperar 10 horas ou mais entre a admissão no hospital e a evacuação uterina, 22,5% apresentaram complicações graves, um aumento de 60% em relação àquelas que esperaram menos de 10 horas (13,5%). Identificou-se, contudo, que a diferença entre o intervalo de atendimento estava associada a dois fatores: a internação ocorrer no período noturno e a autodeclaração da pessoa atendida como negra. O dado, portanto, reforça a existência de um estigma de injustiça reprodutiva no Brasil (Hamui et al., 2023).

Mulheres negras, portanto, passam por mais barreiras para acessar seus direitos: seja na identificação de uma gestação indesejada, seja no encaminhamento para um aborto legal, seja no acesso a métodos de aborto seguro. 

A falta de informação sobre raça/cor no preenchimento desse critério, totalizando mais de 30% sem informação, pode ser associada tanto à dificuldade dos profissionais de saúde entenderem a importância do preenchimento deste critério, ou, ainda, à possibilidade de que as mulheres brancas acessem mais abortos legais e as mulheres negras estejam na rota do aborto ilegal, refletindo uma falta de acesso ao direito por essa população. 

Além disso, se destaca no tema racial a informação encontrada de que, no Município de são Paulo, as mulheres e outras pessoas que gestam negras e pardas são mais submetidas a curetagem do que as mulheres e outras pessoas que gestam brancas. O uso indiscriminado de um método inseguro de abortamento para mulheres e outras pessoas que gestam pretas e pardas tem evidência na literatura científica, de modo que, independentemente das circunstâncias em que é realizada, a curetagem é um procedimento considerado inseguro pela OMS, por aumentar as chances de complicações e óbito.

Esse dado pode estar refletindo tanto um critério subjetivo racial na escolha dos procedimnetos quanto a possibilidade de que as mulheres e outras pessoas que gestam pretas e pardas têm chegado ao aborto legal em idades gestacionais mais tardias, em razão de enfrentarem mais barreiras de acesso e chegarem a esses serviços com mais de 12 semanas, encontrando serviços que não são capacitados para realizar outro tipo de procedimento mais seguro em idades gestacionais acima de 12 semanas.

O mesmo questionamento ocorre no que se refere ao dado de procedimento versus faixa etária, em relação a que observamos a maior frequência de curetagem nos extremos de idade, o que pode refletir a chegada ao serviço de maneira mais tardia ou um critério etária de escolha do procedimento.

Cabe ressaltar que não existe no DATASUS um código para “aborto farmacológico” que permita o registro  como um procedimento, o que sugere a possibilidade de erros de registro.

Referências: 

HAMUI, R. M.; AQUINO, E. M. L.; MENEZES, G. M. S.; ARAÚJO, T. V. B. de; ALVES, M. T. S. S. de B. e; ALVES, S. V.; ALMEIDA, M. da C. C.. Delays in obtaining hospital care and abortion-related complications within a context of illegality. PLoS ONE, [S.L.], v. 18, n. 6, p. 1-2, 14 jun. 2023. Public Library of Science (PLoS). http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0286982

CARDOSO, B. B.; VIEIRA, F. M. DOS S. B.; SARACENI, V.. Aborto no Brasil: o que  dizem os dados oficiais?. Cadernos de Saúde Pública, [S.L.], v. 36, jan. 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/01002-311x00188718.

DINIZ, D., Medeiros, M., Souza, P.H.G.F, Goés, E.. Aborto e raça no Brasil, 2016 a 2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/Set).

CERQUEIRA, D.; BUENO, S. (coord.). Atlas da violência 2023. Brasília: Ipea; FBSP, 2023. DOI: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2023.

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