O QUE É O ABORTO LEGAL?

Você sabia que, de acordo com o Código Penal brasileiro (1940), existem situações em que a interrupção da gravidez é legalizada e deve ser garantida pelos governos e municípios?

Você sabia que, de acordo com o Código Penal brasileiro (1940), existem situações em que a interrupção da gravidez é legalizada e deve ser garantida pelos governos e municípios? 

 Essas situações são:

  1. Em caso de gestação decorrente de violência sexual (conforme o art. 128, II, do Código Penal)

  2. Em caso de risco de vida da pessoa gestante  (conforme o art. 128, I, do Código Penal)

  3. Em caso de gestação de fetos anencéfalos (conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 54).

Ainda que esse seja um direito previsto em lei, infelizmente, as pessoas enfrentam barreiras diversas para interromper a gestação nos serviços de saúde no Brasil.

Dados oficiais mostram que foram realizados cerca de 1.600 abortos previstos em lei, por ano, entre 2008 e 2015, no Brasil (Cardoso; Vieira; Saraceni, 2020). Mesmo com a previsão legal desde 1940, apenas em 1989, por meio da Portaria Municipal nº 692 de 1989, o Município de São Paulo passou a oferecer o procedimento no Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro Saboya, o primeiro serviço de aborto legal inaugurado no país.

 
 

Em são Paulo, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) há 5 estabelecimentos cadastrados como Serviços de Referência em Interrupção de Gravidez de Casos Previstos em Lei. Apesar de que segundo a Lei do Minuto seguinte, todo hospital deveria conseguir dar assistência integral aos casos de violência, incluindo-se nisso a interrupção legal da gestação. No mapa ao final da página, podemos ver quais serviços na cidade de São Paulo tem realizado esse procedimento, de 2019 a 2022, quantos procedimentos eles realizam, de quais tipos e em quais faixas etárias e raça/cor. 

Observe no gráfico acima que, conforme os dados coletados no DATASUS através do CID O04.9 (aborto por razões médicas e legais),  entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, foram registrados 1.538 abortamentos legais no Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do município de São Paulo, o que dá uma média de 384,5 abortos legais ao ano. O ano de 2022 teve o maior número anual de abortos, com 411 (26,7%).      

Em relação ao procedimento realizado no aborto legal, 1.207 (78%) foi por Esvaziamento de útero pós-aborto por aspiração manual intra-uterina (AMIU) e 331 (22%) por Curetagem pós-abortamento/puerperal. 

É interessante olhar o tipo de procedimento realizado por raça/cor. Proporcionalmente o método de curetagem pós abortamento / puerperal é realizado mais em mulheres pretas e pardas do que brancas e amarelas como mostra a Figura 4. 30% dos abortos em mulheres negras o procedimento foi curetagem, enquanto que em mulheres brancas esse procedimento ocorreu em 18% dos abortos.

Número de
abortos legais
por raça/cor

A cada 5 anos é realizada nacional a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), pesquisa reconhecida internacionalmente, que faz entrevista domiciliar e tenta estimar o número de abortos que ocorrem por ano no Brasil. Em 2023 foi realizado uma comparada entre as 3 últimas PNAs (2011, 2016  e 2021) e um comparativo racial entre as estimativas de aborto e conclui-se que as mulheres negras e pardas têm 46% mais chance realizar um aborto que as mulheres brancas (GOES, E, DINIZ, D & MEDEIROS, 2023) e estão dentro do grupo com maior chance de morte por abortos inseguros (CARDOSO & SARACENI, 2020). 

Segundo um artigo publicado em 2023, que analisou atrasos na assistência ao aborto avaliando dezenove maternidades em três capitais do Nordeste, das mulheres que tiveram que esperar 10 horas ou mais entre a admissão no hospital e a evacuação uterina, 22,5% apresentaram complicações graves, um aumento de 60% em relação àquelas em que esse intervalo foi inferior a 10 horas (13,5%). Dois fatores associaram-se a esse intervalo maior: ser internado no período noturno e autodeclarar-se como negra, reforçando mais um elemento de estigma de injustiça reprodutiva em nosso país (Hamui et al., 2023).

Mulheres negras passam por mais barreiras para acessar seus direitos: seja na identificação de uma gestação indesejada, seja no encaminhamento para um aborto legal, seja no acesso a métodos de aborto seguro. 

Em nosso estudo, como pode-se observar no gráfico acima, têm uma grande quantidade de raça/cor “sem informação”, refletindo a dificuldade dos profissionais de saúde de preenchimento deste critério e a possibilidade de falsear a análise e corroborar com dados nacionais e internacionais de aumento da frequência de abortos em mulheres negras. Outro ponto é refletir que é possível que as mulheres brancas acessem mais abortos legais e as mulheres negras estão mais na rota do aborto ilegal, refletindo uma falta de acesso ao direito.

Abortos legais por faixa etária e raça/cor

Procedimento realizado

Em relação ao procedimento realizado no aborto legal, 1.207 (78%) foi por Esvaziamento de útero pós-aborto por aspiração manual intra-uterina (AMIU) e 331 (22%) por Curetagem pós-abortamento/puerperal. 

É interessante olhar o tipo de procedimento realizado por raça/cor. Proporcionalmente o método de curetagem pós abortamento / puerperal é realizado mais em mulheres pretas e pardas do que brancas e amarelas como mostra a Figura 4. 30% dos abortos em mulheres negras o procedimento foi curetagem, enquanto que em mulheres brancas esse procedimento ocorreu em 18% dos abortos.

Procedimentos por raça/cor

Se observarmos a Figura 5, que mostra o tipo de procedimento utilizado por faixa etária, evidencia-se que a curetagem pós-abortamento / puerperal ocorreu mais em mulheres na faixa etária de 40 a 49 e 15 a 19 anos, respectivamente em 31,4% e 28,4% mulheres que realizaram aborto.

Número de abortos legais (2019 e 2022) por Subprefeitura.

Nessa etapa do projeto, mostramos a distribuição dos serviços que realizam o aborto legal no município de São Paulo. Todas as subprefeituras que estão sem nome é porquê não realizaram nenhum aborto legal entre 2019 e 2022 em seus estabelecimentos. Ao clicar em cima do serviço destacado no mapa você pode observar a quantidade de procedimentos realizados nesse período de tempo, separados por número absoluto, raça/cor x tipo de procedimento e faixa etária x tipo de procedimento. Tentamos refletir com o demonstrativo desse mapa o quando o acesso está distribuído desigualmente na cidade, sendo que é um município de dimensões consideráveis e esse deslocamento não tem garantia de ser realizado pelo Estado. Pare pra pensar: é fácil para uma mulher de Parelheiros chegar na Sé? E se para acessar o procedimento ela tiver que ir ao serviço 2 ou 3 vezes? Quanto fica esse custo? E as mulheres do interior do Estado e até de outros municípios que se deslocam para acessar um direito? Esse direito é igual para todas? Nos parece que não. Fique à vontade e veja você mesma os números.